Cantigas

quinta-feira, 10 de julho de 2008

O começo da Beleza em Marilda Santanna


Da série de textos sobre os perfis da MPB, o nome Marilda Santanna chegou com a proximidade baiana das conversas e papos "qualquer coisa no ar", como dediquei a ela na Dissertação Doces e Bárbaros.


Segue o texto abaixo. A propósito, a cantora estará em temporada no Teatro Gamboa nestes próximos finais de semana de julho de 2008, às 17h, sob o pôr do sol da Baía de Todos os Santos.


Marilda Santanna – O começo da beleza

Tudo que você tem não é seu. Só é seu aquilo que você dá. Os versos são de Pop Zen (Manuca Almeida / Alexandre Leão) e expressam o vigor fresco, a verdade e o humor característicos do canto cristalino de Marilda Santanna. A cantora baiana pertence a uma tradição vocal que leva os ouvintes direto a uma matriz importante da MPB, gestada na bossa-nova e na dimensão coloquial da arte de cantar, cujo guru é o idiossincrático João Gilberto.

Marilda é uma artista (cantora e atriz) em que os talentos não se atropelam. Ao contrário, se emprestam mutuamente. Dona de uma verve cênica evidente, seu teatro, entretanto, não rouba a cena de sua música, livrando a cantora do perigo da oscilação inadvertida entre uma arte e outra. Marilda é cantora quando o assunto é cantar e isso é muito importante para a contemplação de seus trabalhos. O teatro – enquanto palco – é a praia em que suas artes se deitam e se apresentam de forma mais confortável. Sua presença em cena, seus gestos e sua mis-em-scène cotidiana revelam a grande atriz que é se expressam em seu canto de maneira bastante equilibrada e sutil. A cantora nos chega com uma sensação de velocidade comparável àquela do desabrochar da flor na natureza: no momento certo.

A música em Marilda é artigo de lapidação constante. Cada nota emitida tem o gosto/gesto suave da pétala se abrindo bem devagar. A agilidade mental (da cantora e da atriz) toma conta da música ao aparecer nas decisões tomadas sobre alcances vocais, milimetricamente pensados. Marilda é de uma emoção trabalhada tão artesanalmente que a sua música pode parecer tão somente racional – posto sua preocupação constante com o processo e o fazer – e isso nos faz pensar mesmo sobre a arte vindo da linhagem da téchne grega. A emoção de suas interpretações se mostra presente nos produtos finais. Depois da elaboração, a fruição. Ouçamos então Dindi (Tom Jobim) e Dora (Dorival Caymmi) para perceber/sentir os fluxos emotivos provocados pelo trabalho da artesã.

Aliás, Tom e Caymmi são referências mais que adequadas para pensar no som de nossa personagem principal. Um é a perfeição arrojada e inovadora na MPB. O outro é a simplicidade temática que se espraia em melodias inesquecíveis. Marilda está bem ali, no meio, na corda bamba (e bem segura), se equilibrando entre Jobim e Dorival. A voz branca (segundo sua própria auto-classificação), sem vibratos a serem corolários das emissões, só pode ser completamente apreciada se nos posicionarmos entre a limpidez estética e a proposta de inquietação produtiva.
A sonoridade de seu disco Marilda Santanna (2002) é sofisticada e pop. Os arranjos são modernos e as melodias cantadas com a precisão matemática da escola da bossa-nova. O teor pop é dado pela acurada atenção de Marilda ao mundo que a rodeia. Esteta e pesquisadora, essa artista, interessada em muitos terrenos da música, se refestela nos salões quase eruditos das notas sem floreios, e como filha – não escrava – do canto de João, dá prosseguimento a um estilo cool muitas vezes esquecido por vozes populares atualmente.

O canto de Marilda Santanna se direciona muito mais para o menos, no sentido da extração do máximo, e isso é o que melhor caracteriza audições como a de Jeito de ser (Saul Barbosa / Orlando Santa Hellena), ou ainda de Pierrot, da lavra de Flávio Venturini . A sereia que ela encarna na peça Yá Olokun (Mônica Millet / Fred Vieira) a situa num privilegiado lugar das cantoras que elevam a arte de cantar ao campo do onírico. Todos saímos (conseguimos sair?) encantados e loucos de vontade de mergulhar nos mares densos da música desta baiana radiante.
E é assim, para não falar demais num terreno onde o minimalismo dá as cartas, que chegamos ao final desta viagem pensando em Adriana Calcanhotto (outra artista que também vai do mínimo para o máximo) e nas origens do belo. Partindo de Marilda, vamos até Adriana – interpretando o texto de Caetano – sobre a beleza podemos perguntar: onde será que isso começa?

Carlos Barros, 05 de abril de 2008.


Muitos beijos a todos!!!!!

Um comentário:

festamedievalssa disse...

Carlos querido, serei ainda mais ousada...no final coloque o "serviço" com o nome do local, horário e custo do evento cultural...não quero mais nada não é? rssssssss

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