Cantigas

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Vovó

                                                                              Foto: Adenor Gondim


A Luz é o elemento central.

Ela paira sobre, por fora, em volta e irradia o que é e deve ser.
O espetáculo Vovó Lulu, criado, produzido e estrelado por Maria Prado de Oliveira coloca a Luz na nossa frente e nos conduziria ao questionamento, caso não nos abarcasse de tal maneira com a emoção e com o estímulo da sensibilidade, tal como faz.

Questionar, sob a inscrição tradicional da razão iluminista e pouco iluminada, não é suficiente para a fruição de Vovó. Ela nos deixa a meios caminhos das escolhas; as próprias da vida e aquelas das quais buscamos fugir por absoluta incapacidade humana de encarar. Mas ela leva ao encontro destes momentos. Sua fala, seus gestos, sua experiência enquanto ser desta dimensão e sua disposição para o diálogo não-dual com a Criação fazem dela um dos caminhos que ela própria se vê colocada por sobre. Três são as vias que aparecem sob a Luz do palco. Quatro são os vetores, pois não dá para não se sentir atraído pela proposta que o caminho dela, Vovó, apresenta em si mesma.

Conheço e trago no peito a Atriz/Criadora de Vovó. Vovó e ela se encontram em idéias e atitudes. Vovó, entretanto, não é Maria. É uma outra das Marias de nós todos a rogar na canção de Fátima Guedes entoada com langor e ternura pela senhora inflexiva que nos leva ao lugar reflexivo não necessariamente preso às teias do racional. Vovó é uma Maria que embala João que caminha solto no tempo e no espaço a querer entender suas posições. Vovó e Maria (a autora) são paralelas que se encontram no infinito: na Luz que orienta Lulu e nós todos, na platéia, por vezes imersos nas possibilidades apresentadas e sentidas.

Eu choro com Nossa Senhora.
Eu choro com Valsinha, aquela de Chico, o feminino autor cuja canção ajuda a encerrar o espetáculo.
Aline Moreira (uma menina/mulher/artista/Luluzinha) que é Lulu ontem/hoje internamente, nos banha com movimentos que são a água/ar da alma de Vovó. A alma de Vovó é liquefeita e etérea e Aline baila marcantemente terrena ao pisar no tablado circundado por uma branca mandala de pedras que nos envolve, mesmo olhando-a à distância da platéia.

Ao final, no mundo em paz que Vovó Lulu preconiza e sintoniza com a Criação (o seu Gente Boa), sua alma e corpo se irmanam e se permitem perceber para nós; espectadores de nós mesmos ali encenados.
Sim: ao final, gostamos tanto de Lulu por que nos identificamos com seus anseios e ao mesmo tempo nos sentimos distantes dela e de suas conquistas perante a vida. Ela ri, dança, chora, canta, questiona. – Como amar o meu país? No meu país há tanta violência! Ali ela apaga instantes da Luz. A Criação não tem o que dizer ou não diz o que tem...

A Luz retorna!

Ao final, com muito Amor, vamos nos despedindo de Vovó, que ganha seu presente, afinal. A Luz que recebemos deixa o palco e começa a lampejar em nós. O Teatro fica interno, endógeno e intrínseco. Ficamos sendo palco de nossas próprias sombras flamejadas de Luz que podem se transmutar – como no alvorecer que faz sem sentido a caverna de Platão – em nossa própria claridade. Isso Vovó faz e fica feito: produz na escuridão uma vontade enorme de se vestir de uma cor/aura mais clara, mais límpida e mais afeita ao princípio.


Afinal,  que somos mais, senão luzes de nós mesmos?

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Macho, adulto, branco, negro, mulher, gay...




Os debates provocados nas telenovelas normalmente são resultado de abordagens superficiais, que viram mais assunto da ordem do "pitoresco" ao invés de gerar reflexões, de fato, relevantes. A novela Amor à Vida, da TV Globo, por exceção necessária, me trouxe ventos benéficos à sensibilidade e à inteligência.

O personagem Félix - bem construído pelo Walcir Carrasco e soberbamente interpretado por Mateus Solano - chegou ao centro de sua angústia e expressões da mesma quando sua família se depara com a sua homossexualidade na mesa do jantar. 

A esposa (não-traída, posto estar jogando o mesmo jogo social que todos na cena), irritada pelos anos de não-prazer da farsa que vivia consuetudinariamente, revela fotos de carinho e afeto sexual entre Félix e seu amante, que logo se tornam (aos olhos da dificuldade generalizada em conceber dois homens se acarinhando) "provas" do "crime" prévio e julgado que parece ter sido cometido.

A sequencia é forte e promove muitas questões para nossas cabeças e corações ávidos por emoção. 
Félix é uma bomba de frustrações, entre outros fatores, em função da personalidade autoritária e manipuladora de seu pai, cujas aspirações de "macho-adulto-branco-no-comando" não podem admitir que o "varão" possa ser gay... Seu mundo, literalmente, caiu. 

À mãe, irmã, avó e filho do personagem - cuja história parece recomeçar a partir do fato - somente restam se equilibrar entre a surpresa, a dor, e o amor para atravessar a turbulência de entender sua família inserida na possibilidade de revisão de valores, crenças e atos.

A cena dói.

A nós, resta (e sobra motivos para) refletir e observar dentro e ao redor o quanto podemos performatizar Félix, pais autoritários, esposas hipócritas, filhos, irmãos e mães assumindo percepções de mundo enubladas pela convenção de ser convencional e pouco essencial.
Salve a Vida!

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