Cantigas

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Doce de Carnaval!

Toda menina baiana tem um santo que Deus dá. E deus me deu Santos, Bahias e alegrias neste verão de 2010. Shows, discos no Brasil, entrevistas e contatos para a vida inteira. 

No carnaval de Salvador, o Trio tocou com Carlos Barros presente. O convite veio da Banda Salada Mista e junto a Wilson Carvalho e Wil Carvalho eu pude levar o carro, tocar o bonde e andar com a carruagem de fogo, brilho e fulgor que é o Trio Elétrico na Bahia. Muotas estrelas, mas apenas uma galáxia: No palco estava à frente a força da beleza da força da beleza; e ela me tocou...

A menina baiana que tem Santo me chamou e eu pude estar na Avenida com a sua voz; cantora, amiga e mito. Márcia Short, o timbre que anunciou as voltas que o mundo dá e que deu voltas ao mundo com o mel de seu caminho, deu-me a mão e chamou: 

Entrei na Avenida junto aos seus médio-graves em Toda Menina Baiana, em frente ao Edifício Oceania, numa ponta da história da cidade. Cidade Elétrica que pariu Short, Barros, Mercury, Gil, Gal...

Tinha que começar por Gil. Meu pai, meu ícone e referência de MÚSICA! Ela me chamou; eu fui e continuei.

Os sambas de Clara e os afoxés de Moraes ocuparam o ar e eu pude ouvir minha voz nos céus do litoral da Bahia, pertinho do ouvido apurado de Iemanjá.

Olhares, mãos para cima, pessoas na madrugada do carnaval que começava a terminar, numa segunda-feira que tinha cara e cheiro de festa.

Cantei mais uma vez entre improvisos e números ensaiados nos anos que tenho de folia; pulo desde os dezessete: Timbalada e os tambores na rua, Margareth e os trovões de voz; Ivete, quando a música era mais que tudo; Daniela, me ensinando que seria seguidor para sempre...

São dezesseis anos de uma vida de trinta e três. Muito tempo na festa da Bahia; muito tempo até chegar à primeira experiência do palco (andarilho) encantado(andante).

Eu disse numa entrevista que não era exatamente um artista do carnaval e interpelado pela querida Dóris Pinheiro, ouvi que não tinha disso não - ajoelhou, tem que cantar!: tudo bem; súdito sou: de Momo, de Baco, de Exu!

Evoé, um jovem à vista!
Carnaval; você acabou de ganhar mais um cantante-andante com fé!


Short: ano que vem tem mais?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Cultura para quem?

Uma versão bem particularizada do conceito de cultura vem sendo defendida com unhas e dentes no cenário artístico brasileiro recentemente.

Em se tratando de Bahia e no período do carnaval então, esta cultura nova e antropológica/politicamente correta vem se tornando hegemônica e - por que não - opressora.

A cultura (que nos recupera existencialmente...) a que me refiro virou moda entre aqueles que querem parecer adequados aos novos modos de perceber o mundo e, portanto, contemporâneos (muitas vezes sem a dimensão mais profunda do que isso possa significar). 
Segundo esta lógica, esta cultura precisa vir "do povo", estar conectada com os anseios "populares" e expressar alegria, espontaneidade e o modo de vida "do povo".
Me pelo de medo (no sentido mais baiano possível) desta necessidade de enaltecermos o "povo" enquanto unidade sociológica e com características bem definidas.

Estou apontando minha lente para um discurso que correntemente aflora durante o carnaval e que adorna nossa construção identitária chamada pos muitos de baianidade: segundo esta ideia, o carnaval precisa voltar a ser popular, e esta expressão de popularidade apresenta-se em alguns artistas em específico, que falam a "língua" do povo e para o "povo" fazem seus trabalhos.

Será que há um "povo"?
Será que a arte industrial do carnaval pode ser isenta de interesses para além daqueles "do povo"?
Fico curioso com a defesa manifesta de lobos maus, beijos e extravasamentos, seja no axé ou no pagode.

O Psirico é uma banda muito interessante.
Ivete Sangalo é uma performer de grande expressão.
Cláudia Leitte chegou, não é?

O "povo" do bairro do São Caetano, Canabrava, São Tomé de Paripe, Fazenda Coutos gosta muito de todos eles (pelo menos em representação ampla).

Este "povo", entretanto, não compartilha do modus vivendi deles e nem poderiam. Mas sua arte é associada muitas vezes a um gosto popular que, por si só, sustentaria suas experiências estéticas recheadas de referências-estereótipos de "povo". 
Na TV baiana, sangue embrulhado em jornal (como na canção de Tom Zé, da época tropicalista). 
Na canção pop baiana a possibilidade de colar na corda e de ser o lobo mau (que come, come, come). 
Tudo bom, lindo e divino!
E a possibilidade de o "povo" ser orquestral, pop,lírico e profundo?
E a possibilidade de o "povo" não ser tão "povo" o quanto se pensa?
Não me nego à sexualidade nas canções.
Não me nego à sensualidade das pernas e músculos das(os) vocalistas. Me gusta mutcho, sobremaneira últimas palavras...
Mesmo que eu não vá para ver, eu não me nego a quase nada. 
Só me nego à violência simbólica da retroalimentação dos estereótipos. E aqui não é papo furado!

Gente é pra brilhar, Caetano!
E eu quero o brilho. 
Quando Carlinhos Brown traz o Zárabe e fala de negritude afro-ameríndia é importante que este "povo" compartilhe: da negritude na cara e no nariz dele e também da escolarização informal que é possível através da música popular (e viva Paulo Freire!) 
Isso não matará o lobo mau (com certeza)!

Quando Daniela Mercury coloca pianos, bachianas, orquestras e meninos no trio, é preciso que o "povo" possa escolher fruir e gostar, posto que pianos, bachianas, orquestras e meninos fazem parte do mundo da vida (como diria Habermas).
E o "povo" merece ter tudo isso.
Ou não?

Quando o carnaval passa da esculhambação (tão bem defendida pelo professor Milton Moura) e chega à indústria cultural organizada em torno dos afluxos e multiplicações do capital, é preciso que nas prateleiras desta indústria haja Margareth e Fantasmão; Asa de águia e Timbalada; Pagode e MPB.
O conceito particular de cultura que ora se hegemoniza parece querer dar a César o que é de César; ou seja dar a preto o que é de preto. Dar a pobre o que é de pobre.
E o que é mesmo o que é de preto, meu "povo"?
O que é de preto é o roteiro da novela de Manoel Carlos?
O que é de preto é a sensualidade historicamente liubertadora e aprisionante da preta, luz da noite?
O que é de preto e pobre (que pelo menos parecem ser como podres, não é?) pode ser mais um pouquinho mais do que oferecem lobos maus e professoras de roupas pouco convencionais. 
A questão, aliás aqui posta, se dá no sentido de investigar a convenção:
estamos mesmo enaltecendo o "popular" nos discursos que querem negar ao povo o direito de ter experiências estéticas mais universalistas?

Queremos o diferente no que é o mais do mesmo?
Podemos ter brioches no lugar da "bolacha mata fome"?
Podemos querer caviar no lugar da farofa de feijão de todo dia?
E eu, ao dizer isso estarei sendo o elitista em lugar de todos os que entendem o que o "povo quer"?

O que podemos, então, a partir deste novo conceito antroplógico de cultura?
Podemos comer faisão?

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Carlos Barros no Congresso Brasileiro da arte de Maria Bethânia

Congresso discute canto, arte e trajetória de Maria Bethânia



Marlon Marcos

Especial de Salvador (BA)


Nos dias 4 e 5 em Salvador e no dia 6 de fevereiro em Santo Amaro da Purificação (BA), vai se realizar o Congresso Brasileiro sobre o Canto e a Arte de Maria Bethânia em 45 anos de Palco, evento dedicado a analisar sua trajetória artística numa perspectiva científico-acadêmica, envolvendo estudos multidisciplinares que abrigam a antropologia, a história, a sociologia, teorias comunicacionais, análise do discurso, letras, literatura, poesia, cultura popular, artes visuais, cordel e música.

Pela primeira vez a obra de uma intérprete da Música Popular Brasileira é discutida sócio-antropologicamente através de leituras científicas e artísticas para revelar o seu conteúdo de relevância sócio-cultural que exprime identidades e identificações no nosso país.


O congresso, de projeção nacional, contará com nomes como o da professora mineira Lúcia Castello Branco, do sociólogo Milton Moura, da editora Leila Name, do maestro Jaime Alem, do poeta e compositor José Carlos Capinan, do compositor Roque Ferreira, do músico Roberto Mendes, de Gerônimo, da dramaturga Aninha Franco, do sociólogo e cantor Carlos Barros, da poeta e irmã da cantora, Mabel Velloso, do compositor Jota Velloso e da professora fluminense Vânia Aparecida, entre outros. Os nomes representam a diversidade a que o evento se propõe e todos partem do princípio de que um trabalho com a qualidade como o de Maria Bethânia, serve como instrumento de investigação social, no caso dela, etno-histórica, para compreender as perfilações culturais que traduzem o povo brasileiro.


As marcas estéticas e os caminhos artísticos trilhados por Maria Bethânia a colocam num lugar de destaque no nosso cancioneiro no que se refere a elementos da cultura afro-brasileira, à difusão da poesia de grandes literatos portugueses e brasileiros, à intertextualidade entre canção e teatro, a recursos cênicos que tratam da paisagem nativa nacional, evocações do nosso ruralismo, utilização da literatura entremeando nossas identificações regionais; a cantora é incansável em sua busca por traduzir com seu canto parte desta complexidade chamada identidade cultural brasileira.

Em sua construção sócio-existencial, de mulher baiana, mulata (ou mais amplamente negra), próxima de duas matrizes religiosas, o candomblé e o catolicismo, conhecedora dos traços da criação popular em sua cidade natal, Santo Amaro da Purificação, Maria Bethânia é a porta-voz artística das coisas grandes que a cultura popular produziu entre nós; ela leva para o palco fragmentos narrativos de mitos afro-brasileiros, sua voz quando canta, muitas vezes, conta a história de como foi desenhada a Bahia litorânea, do Recôncavo, entre a abundância de água e a força seca do sertão dali tão próximo. Ela é a caipira que se sofisticou e não quis deixar de ser caipira. Como Clarice Lispector que é a própria Macabéa, Maria Bethânia é um griô afro-baiano universalizando, de modo respeitoso e fragmentado, mitos e ritos que compõem o imaginário sagrado do povo-de-santo, o povo do candomblé, do estado em que ela nasceu. E é inquestionavelmente brasileira, representando a força musical deste país no mundo. Por estar tão ligada a aspectos identificatórios do que percebemos como Brasil, talvez Bethânia seja a cantora mais universal que temos viva e, sem dúvidas, sua ativa presença no cenário da canção há quarenta e cinco anos, escolhendo cantar o tipo de Brasil que escolheu como seu, como podemos verificar no clássico Brasileirinho (2003), lhe confere o título de Doutora Honoris Causa em antropologia. A Universidade Federal da Bahia deve isso a ela.

Portanto, o Congresso Brasileiro sobre o Canto e a Arte de Maria Bethânia traz para o centro das discussões acadêmicas uma intérprete que se imprime como uma autora, que usa sua inteligência, sua voz e seu talento artístico para pensar e dignificar o povo de seu país. Celebra também os 45 anos de carreira da artista, que serão completados em 13 de fevereiro de 2010 (data oficial da estreia de Maria Bethânia no antológico Opinião, no Rio de Janeiro). É uma realização da Associação Cultural Rosa dos Ventos - Bahia, que tem como membros organizadores Neide de Jesus (idealizadora do Congresso), Joaquim Amaral, o autor deste artigo e Andréia Vieira.

Serviço:


Evento: Congresso Brasileiro sobre o Canto e a Arte da Maria Bethânia em 45 anos de Palco.
Realização: Associação Cultural Rosa dos Ventos - Bahia.
Local: Teatro Martim Gonçalves
Endereço: Rua Araújo Pinho, s/n, Canela - Salvador-Bahia
Dias : O4 e 05 de fevereiro de 2010, das 9:00 às 18horas.
Investimento: 40 reais
Inscrições: www.mariabethania.com ou pelo telefone (71) 9982-5805 (ainda há 50 vagas).


Obs.: as atividades do dia 06/02/2010 transcorrem em Santo Amaro da Purificação e correspondem a um passeio cultural e turístico pelos locais mais amados pela cantora Maria Bethânia nesta que é a sua cidade natal.



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