Cantigas

sábado, 11 de outubro de 2008

O gosto de Simone


Quem quer viver um amor, mas não quer suas marcas ou cicatrizes, não deve ouvir Simone.

Quem quer fugir do que deve ser, do que de fato será, não deve ouvir Simone.

Eu mesmo somente ouço-a por querer saber do amor e do que vem mesmo a ser a força do canto e da emoção desmedida (por que impossível segurar) na música produzida neste país.
E desta emoção Simone entende!

A voz de Simone me chamou a atenção de verdade depois de meus ouvidos já estarem acostumados à Bahia dos Bárbaros. Tudo que eu precisava aprender sobre os baianos na música popular parecia já assentado e pronto.
Aí, ela chegou.

Os comentários de que seria uma baiana "falsa"/ verdadeira até mesmo no sotaque poderiam ter feito com que a audição da cantora me viesse distorcida pela fala do preconceito relativo à sua aparente distância geográfica da Bahia,

da minha cidade do Salvador.
Mas não!

Simone não pôde ser considerada por mim a partir do viés identitário simplista.
Quem chegou primeiro não foi a baiana, carioca ou brasileira.
Quem me chegou primeiro foi sua voz.


A Gal é a voz que mais me encanta.

A Simone é a voz que me pegou de súbito e até hoje me impressiona.
Sua qualidade vocal é tenaz, forte, melodiosa, emocionada, derramada, sêca, viva.
A voz de Simone tem um "como existe?" que toma com impacto logo que se ouvem as primeiras emissões em alguma canção.

Seu caminho de intérprete para multidões ávidas por expressão estética/política está relacionada ao fato de interpretar tão bem Milton e Chico; Gonzaguinha e Ivan.
Simone sai da Bahia e se distancia dela para fazer o que melhor os baianos fizeram na música no Brasil: recontar sua história.

A presença de Simone nos palcos é sempre cheia de tensão. Parece que a cantora está a um passo de explodir em emoção pura que entremeia seu timbre lindo e faz com que irrompam riquíssimas imprecisões melódicas que aparecem para dar a inequívoca certeza de que aquela voz é humana.
Não é Deus quem canta. Somos nós mesmos, condensados naquela gargantae que emite, em canção, o existir em vida. Simone aí se irmana com o ranger de Fernando Pessoa: ela e nós estamos vivos!
Se Simone parece não se preocupar com os perigos de "sair da linha da diva" é por que está para além deste rótulo: ela é uma mediadora.

Entre platéia e palco, Simone está a conduzir emoções dos dois lados; instrumentos e arranjos a contarem crônicas em forma de música e público a necessitar responder pela via da catarse que seus shows quase sempre provocam.

A sensualidade da intérprete é nada mais que o incontível desses sentimentos eróticos que - fazendo jus ao princípio vital de Eros - permeiam sua performance feminina e lasciva, em sintonia com a lascívia dos participantes que vão contemplá-la.

Vamos comer Simone?

Sempre que estamos em seus shows é a única coisa que podemos fazer. Não há como recusar a deglutição total de seu canto, sua beleza física, sua presença e sobretudo, sua voz.

Deste modo, para saber de Simone, os olhos devem começar fechados para sentir-se de primeira o som.
Depois das iniciais sensações, abrir os olhos e assistí-la é a maneira mais justa de percebê-la.
Simone é sinestésica. Excessos e demasiadas notas corpóreas no branco de suas vestes e de sua aura.

Absorver Simone?
Impossível recusar.

Ouça, veja, sinta e
viva!

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