Cantigas

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Maria Rita - seus sambas e seus amores


Maria Rita – seus sambas e suas promessas
Chegando ao terceiro disco, a cantora se instala no limite

entre uma lembrança e uma presença


Esquecer Elis.
Ouvir Maria Rita.
Para apreciá-la é preciso despir-se dos mantos desenhados pelo canto de Elis ao longo de tantos anos de audição – mesmo que remota – da voz da pimentinha do sul.
Maria Rita é uma tradução. Uma transmutação de notas doces/acres em um timbre acre/suave de melodiosas construções sonoras para ouvidos apurados. Sua canção vem de tradições tão enraizadas que nos parecem até vulgares no ambiente da sofisticação.
Baixo, bateria e piano adornados por alguma percussão, como que fazendo um corolário para a interpretação quase coloquial de seu canto.
O que poderia parecer, a princípio, absurdo mostra-se um elemento importante de sua música: sempre que Maria soa, ouvem-se alguns ecos de João Gilberto. A respiração e o canto/fala mastigado, como a degustar a melodia, dessa mulher, são como reafirmações da importância da matematização minimalista da Bossa-Nova aliado ao calor das inúmeras de nossas cantoras de emoção afirmativa. O canto de Maria Rita é quase sempre sem dó-de-peito. Sua extensão e alcance são de nota por nota que deságuam em blue notes por vezes freqüentando a obra da cantora.
Seus arroubos interpretativos como que rabanadas de melodias são tão significativos quanto o som quase murmurado de outros momentos.
Maria Rita pode até não reconhecer o baiano de Juazeiro em sua música, mas certamente, ao nos depararmos com o canto faríngeo do início de A Festa (Milton Nascimento) ou em Despedida (Marcelo Camelo), não podemos deixar de ouvir o fraseado de João em sua voz, apenas para citar dois casos notórios.
Se Elis está (lembremos dela aqui) na força dos trejeitos vocais da filha, a voz de Maria Rita nas canções mais frugais é uma voz em que se encontra, entre outras coisas, lampejos de acordes e ritmias do samba contido da escola bossa-novista.
Do primeiro para o terceiro disco é uma longa caminhada para fugir à Elis (ela de novo!).
- A voz é a mesma! – dizem alguns
- Como é parecido! – repetem outros.
- Está imitando – de novo, dizem.
Interessante notar como as semelhanças incomodam, não é?
Mas, definitivamente, Maria Rita não é Elis Regina.
Sua interpretação (a de Maria) traz o timbre (mais grave) próximo da genitora e repete certos efeitos vocais que de fato a lembram. Entretanto, para recorrer ao postulado do irrepetível:
Maria Rita não é Elis.
Vanessa não é Marisa.
Jussara não é Gal.
Mariene não é Clara.
Estrelas brilham próprias. Parecidas, mas próprias.
Maria Rita será sempre a filha, mas já é uma senhora em absoluto na competência musical.
Seu nome já se inscreve com letra maiúscula.
Sua capacidade de transmutar sua voz falada de menina paulista em mulher forte e intensa cantando versos de canções como Não vale a pena (J. e P. Garfunkel) e a recente Mente ao meu coração (F. Malfitano) é algo que não passa despercebido.
É preciso ouvir para dizer!
Hoje, Maria Rita traz seu samba. O texto do disco quase parece querer justificar a incursão. Ela pode?
Ela deve!
Seu samba é tão de nós (como ela, aliás, preconiza) que temos a impressão de que além daquela voz à qual relacionamos Maria, outras tantas estão presentes nos arranjos, nas emissões, nos stacattos e deformações melódicas tão característicos de nosso samba-jazz – filho do encontro do batuque do Brasil com o bebop americano e uma contraparte relevante da própria Bossa Nova.
Maria Rita parece tão à vontade, que percebemos que ela pode cantar samba por uma razão muito mais simples que qualquer teorização: ela é uma cantora. E das grandes!
Sua presença não alcança patamares de singularidade por que evoca outra muito forte.
Sua arte não chega a provocar revoluções, posto não instaurar descontinuidades.
Sua voz não soa nova.
Seu canto não é devastador.
Por tudo que não é, resta o que ela é.
Maria Rita é ar no músculo, como oxigênio no coração – cotidiano e vital.
Maria Rita é sopro através da boca, como o hálito de Deus em Adão.
Maria Rita continua tradições. Ela é uma mulher soltando a voz.
E como não dá mesmo para esquecê-la, Elis Regina é sua mãe.
E que bom que entre seus tantos outros bons frutos, nos legou este precioso:
Maria Rita, a cantora.


Carlos Barros, Outubro de 2007.


Este texto já me rendeu muitos comentários elogiosos (e nem tanto) que atestam a força desta artista para a MPB.

Carlos Barros.

06 de julho de 2008.

2 comentários:

DalvaEstrela disse...

Parabéns Carlos! Espero que finalmente, com este seu texto, as pessoas entendam QUEM É E À QUE VEIO MARIA RITA.
Um abraço,
Dalva Côrtes

sile disse...

Parabéns , Carlos...Maria Rita é uma ato de amor...

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