Cantigas

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Brilho de Orfeu

Filha de Orfeu

                                                   Foto: Daniel Neto

A roda é uma imagem que remete a muitos elementos importantes do nosso universo simbólico:



Roda de samba


Samba-de-roda



Roda gigante



Roda viva

 Roda-de-santo!



Responder à roda significa estar com ela ligado e tão intimamente, que confunde-se a roda e quem responde a ela.


Responde à roda é o nome do disco de estreia de uma artista cuja mão tem girado para cima as rodas da fortuna :
Cláudia Cunha!


A cantora, nascida no Pará e com uma carreira solidamente construída na Bahia, vem mostrando uma qualidade que se constitui como marca indelével de sua presença.
Fujo tanto aqui de um texto técnico quanto de um texto apaixonado, pois para escrever sobre Cláudia, preciso colocar de lado o fã (difícil) e pôr na cena pelo menos um observador.
Cláudia Cunha me chamou atenção em primeiro lugar pela qualidade de CANTORA.
Sua preocupação com o CANTO, faz Cláudia mostrar a que veio.
Sua emissão, respiração, força, vigor e suavidade aparecem juntas (de maneira sintética) e ao mesmo tempo passíveis de análise (em suas partes mais precisas e perfeitas).
Quando a ouvi cantar, percebi que estava lá uma artista que muito me interessaria.


Este seu disco é um passeio prolífico pelas aulas de tradição da música brasileira: tem cirandas, sambas, bossa cheios de personalismo desta artista que soube se cercar de referências coesas para construir sua notoriedade.

Tive a oportunidade de cantar com ela Seu moço (Hermínio Bello de Carvalho / Roberto Mendes) e o samba remonta uma Bahia tão caymiana e ao mesmo tempo tão a cara de Cláudia que o amálgama é perfeito.
A Bahia de Cláudia também aparece na faixa Aioká (Alcyvando Luz / Carlos Coqueijo), cuja sonoridade e sua voz a percorrê-la faz a gente entender por que Iemanjá é tão forte em sua persona.
O Ori de Cláudia certamente fica feliz ao ouvi-la cantar o cântico de uma mãe tão poderosa!

Gravando ou em parceria com Manuela Rodrigues, como em Cabe um tanto e Responde à roda, Cláudia se conecta com a linguagem contemporânea da colega e também cantora e nos cria uma ponte entre a tradição da música baiana (Coqueijo, Tom Zé, Roberto Mendes) e o novo, através da própria Manuela e da participação como compositores de Ivan Bastos e Gil Vivente Tavares.

O que se percebe daí, para além desta relação tão procurada entre tradição e modernidade (que nem todos conseguem fazer, diga-se) é a capacidade da cantora de construir uma obra una e com consistência percebendo o que é tradicional no moderno e como fazer atual o que é tradição.

Entre nossos artistas mais notórios, Ney Matogrosso e Maria Bethânia são personalidades que fazem isso com magnitude.
Cláudia Cunha faz com esmero!


A participação de Zé Renato confere ao disco uma aura de "clássico estreante" que faz-nos pensar como esta cantora sabe o que quer: facilidades de mercado não cabem aqui, mesmo, embora isso não diminuísse em nada o seu valor.

Estes elementos todos somam-se a uma característica relevante para qualquer artista: uma vontade grande de fazer bem feito o seu trabalho.
Cláudia Cunha enobrece a noção de que a arte é trabalho, trabalho, trabalho e inspiração.
Insight sem instrumentos de nada servem...


Os instrumentos de Cláudia Cunha se revelam na voz, na técnica e na compreensão do que quer fazer para emocionar.
Recentemente, no show Solar homenageando Gal Costa, a cantora fez quatro semanas no Teatro Gamboa Nova o que muitas cantoras contemporâneas precisam fazer: reportar à baiana tropicalista sua devida contribuição para sopranos, contraltos e afins.

Eu, tenor metido a contralto (posto que tributário das mulheres) nesta seara de cantoras, me irmano ainda mais com Cláudia, que nas nossas conversas profissionais, converge comigo na referência maior à Maria da Graça, com sessenta e cinco anos de idade e mais de quarenta de palco.


Não bastasse tudo isso que já faz de Cláudia Cunha uma referência de aprendizado também para mim, dividir o palco com ela foi uma experiência mais que especial.
Vê-la cantando, junto à minha Banda do Céu a canção Linha de passe (João Bosco / Aldir Blanc) numa segurança e performance como a que eu e o público presente vimos ajudou-me a definitivamente entender que ela é como muito poucos artistas: corretíssima no canto e personalíssima na interpretação.


Aliás, Claúdia: que atonalidade é aquela que você impõe no meio de uma frase tão complexa?

Quem quiser ouvir, que engrosse o coro dos que pedem para ela gravar esta canção fantástica.


Responde à roda é uma expressão que não se deve esquecer:


É significativa para a Bahia, com suas rodas a mostrar que a circularidade é a tônica da cultura;


É o nome de um disco primoroso e importante para a história recente da música brasileira.;


É uma resposta ao cenário artístico – luz, força e presença;


É um diálogo fraterno e bonito com Cantiga vem do Céu, minha proposta de estreia e que também é filho do canto de uma das baianas maiores, meu ponto de encontro com Cláudia.


Responde à roda, de Cláudia Cunha tem nos proporcionado chegar mais perto do brilho desta cantora, a quem eu dedico a canção que foi composta para mim, mas que bem poderia ter sido para ela:


Cláudia Cunha, nesta história de música e sucesso, você é, certamente um Brilho de Orfeu!

domingo, 26 de setembro de 2010

E eu e eu e eu e Gal...



Em se tratando de música a minha casa tem quatro moradas: Gilberto Gil, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gal Costa.

Em se tratando da última listada, os caminhos que levam a esta casa minha são os mais nítidos e óbvios para mim.

Comecei a entender o que era canção a partir de Bethânia.
Gil me ditou as regras da linguagem musical.
Caetano mostrou por que veredas podemos ir para alcançar o máximo entre letra e melodia.
Gal Costa me possibilita cantar.

Hoje, com 65 anos de idade e mais de quarenta de carreira, esta artista (cuja cota de beleza e competência já ultrapassa qualquer comparação) está mais viva do que nunca, tanto física quanto artisticamente.

Sua proposta estética de limpidez gradativamente em crescimento, sua atenção mais que privilegiada com a VOZ enquanto instrumento perfeito/imperfeito a ressoar almas e êxtases como quem sopra o vento displicentemente (tal como a sabedoria de Gil em O Compositor me disse) e acima de tudo, sua despreocupação aparente com o texto enquanto intrumento de expressão fazem de Gal não a nossa maior cantora - canso desta história, inclusive... -  mas o que temos de mais original na história recente do canto no Brasil.

Eu exagero?
Não, constato!

Gal Costa trouxe leveza ao lado de modernidade: refez a falsa baiana faceira e rebolativa e a colocou no patamar da musa minimalista de João Gilberto; atualizou Carmem tropicalientemente; fez o Brasil cantar em acordes de exaltação desde Ari e David Nasser; mostrou os peitos cinquentões em uma fase de perfeição vocal e cênica; passou por crises políticas, fez política com o canto; foi Caetano enquanto este não era aqui; saudou a Bahia, fundando uma estética cotidiana desta terra e cidade;  recentemente lançou luzes sobre compositores desconhecidos, enfim, foi, esteve, realizou e está, sobretudo, está.

Não mais há como questionar que Marisa, Vanessa, Roberta são filhas diretas não somente nos timbres, mas numa maneira especialíssima de traduzir em sons palavras na canção brasileira.

Certa revista hoje não mais muito conceituada apresentou matéria em que o nome Gal não aparecia como referência.
Como estas páginas já "amarelaram" mesmo de tão velhas...

Gal não somente é referência como é presença.
Sua expressão como artista tem diminuído por que - como o fazem as divas mais especiais - sua aparição diminuiu, mas seu canto ecoa a cada cantar contemporâneo que revele sutileza, leveza, intensidade na água cristalina e por vezes turva, quando necessário é.
Mais uma vez a pecha de "diva fria" não pode lhe caber: Baby (Caetano Veloso) não seria a mesma sem ela. Barato Total (Gilberto Gil), também. Mais recentemente o brilho de Abandono (Caetano Veloso) não estaria à altura sem sua intervenção.

Quanto a mim, que posso dizer desta artista em minha vida?
Não pretendo rompimentos estéticos além daqueles estritamente necessários.
Gilberto Gil revelou que quando chegou à cena, tudo que queria era ser Jorge Ben.
Gil tornou-se Gil...
E eu?

Péricles Cavalcanti compôs uma obra fantástica sobre outro gênio da música: Eu queria ser Cássia Eller.
Hoje, em setembro de 2010, quase um ano depois de ter lançado meu disco de estreia, quando o ouço e quando ouço tudo (de bom e sobretudo de ruim) sobre mim e meu canto, aí me dá mais vontade de dizer:
licença Péricles, mas eu não somente queria ser, como me esforço o tempo inteiro para me ser, em sendo Gal Costa!

Carlos Barros e Banda do Céu no Jequitibar (ÚLTIMA APRESENTAÇÃO DESTA TEMPORADA)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Mandinga da Baiana: O samba de Juliana!

                                                               Foto: Divulgação
Juliana Ribeiro é uma dessas vozes que ficam na memória quando escutadas já pela primeira vez.



O timbre de contralto forte e seguro nos leva a pensar nas artistas de antes da Bossa Nova, com seus ataques cheios de espirituosidade e malícia tanto para o amor, quanto para a dor nas canções.



O samba é o estilo que escolheu (ou foi escolhida?) para eternizar-se entre as cantantes brasileiras contemporâneas.



Nascida na Bahia e se colocando no patamar das intérpretes brasileiras de nosso gênero maior, Juliana vem desenhando, ao longo destes anos uma trajetória fincada na exímia capacidade de emocionar a partir de matrizes que estão dispersas na nossa memória coletiva mais profunda: o samba e as raízes desta música que definem o que é o Brasil.
Juliana é isso: brasileira, brasileira e brasileira.
Força e afinco na mistura entre feminilidade e suingue que caracterizam sua performance.



A emissão vocal que traduz uma vontade de ser ouvida e entendida, além da pesquisadora que habita sua persona, fazem de Juliana uma estrela feminina única nesta cena baiana/brasileira.



O seu disco de estreia, um EP com seis faixas cheias de espírito e verdade, traz peças inéditas em que a renovação do samba situa-se ao lado da possibilidade efetivada da releitura.



Aliás, em se tratando de releitura, a faixa
Batuque na cozinha (Martinho da Vila / João da Baiana) talvez seja a que mais revele as qualidades intrínsecas da intérprete Juliana Ribeiro.



Malemolência, malícia, maestria e mandinga formam uma adjetivação aliterativa que expressa sua forma de entoar a cantiga espetacular dos cariocas, na voz da baiana.



Emoldurada por um arranjo simples e eficiente de cordas e percussões, a gravação nos coloca frente à frente com a sensação de estar no meio da roda de samba/batuque/macumba que evoca-se na letra jocosa e cheia de referências a um modo de viver negro-mestiço brasileiro.



Não fosse século XXI, diríamos que a cena ocorre num romance de Álvares de Azevedo, atualizado para um cortiço/bairro popular da Salvador/Rio/Sampa atual.



Juliana e sua voz quente e firme quase nos fazem tremer o corpo e a mente com o "nganga chorando na macumba..." que é inserido na gravação, nos inserindo na cena de numa senzala imaginária e cheia de identificações importantes para nossa compreensão enquanto brasileiros.



Somos descendentes desta quentura provocada e expressa no canto desta baiana.
O arrepio é inevitável ao ouvir o resultado de percussões, violões e vozes a evocar esta brasilidade recuperada na gravação.
O samba de Juliana é o samba de todos nós: estamos dançando com ela e nosso corpo vai no suingue do pandeiro que ela executa como instrumento - quase parte de si mesma. 
Vê-la tocando é muito prazeroso; as mãos se confundem e se fundem ao cantar!



Juliana Ribeiro mostra a que veio, e eu, colega e irmanado com a sua arte, tenho um enorme prazer de fazer parte da geração de cantores que podem dividir o palco e a trajetória com ela.
Estar ao seu lado é sempre estimulante e vê-la no tablado é uma possibilidade de contemplar o talento e a certeza de que a seta aponta para a frente... e rema com fé, estabelecendo um paralelo com as palavras sábias de minha amiga
Aline Tavares.



Juliana; sem tristeza, como você sabe: chora na macumba e faz a gente sorrir de alegria!



sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Carlos Barros e Banda do Céu no Jequitibar, em setembro!

Carlos Barros no Show Você em minha vida, com canções de Roberto Carlos



Pedido de mãe é fogo...

Em se tratando da minha, que é da estirpe das amazonas de Oyá, o pedido é uma ordem.
Há muito ela vem me dizendo: Você devia gravar umas músicas de Roberto para mim...
Anos se passaram e eu resolvi atender: um disco encomendado, não vendável, não de carreira e não planejado foi feito e entregue.
Você em minha vida foi o título que achei mais apropriado: você mãe e você, Roberto.

Desde que comecei a trafegar pelas vias da canção, Roberto Carlos me aparece como um farol, ícone e processo em si mesmo da música deste país.
Cinquenta anos e parece que sempre existiu enquanto referencial do que é amor, paixão, força, fé, brega e chique.

Roberto simplesmente habita o lugar dos que são. Se Gal, Bethânia, Gil e Caetano me deram voz, Roberto me ensinou a cultivar uma parte da alma nada pequena e eterna, com a exata duração de uma vida.
Roberto Carlos merece honrarias e laudas. Sua música merece ser cantada, sempre, sempre, sempre...

Dos botões da blusa existencialista que observa a cena de espera à estrada de Santos fenomenal, da urbanidade brasileira das auto-estradas, este compositor (irmanado na poesia do parceiro Erasmo) revela muito do Brasil mais que profundo. 

Se Pelé é a contradição étnico-racial deste país, Roberto é a resolução da plástica do cancioneiro.
Sua obra é una e variada; cada um de nós, cantores tem um pouco de Roberto internamente - e quem não tem, que cultive o seu já, já...

O show Você em minha vida é, também, uma recuperação do meu amor pelo formato violão e voz, e ao lado de meu parceiro de sempre, Harlei Eduardo, faz com que eu possa dividir o tempo entre Cantiga vem do Céu (meu show mais recente, fruto do meu CD de estreia) e os projetos paralelos que tanto me enchem de alegria.

Arranjos simples e sofisticados do violão de Harlei e minha voz entregue à máxima possibilidade de cantar o Rei. Não, eu não sou Bethânia, Simone, Nana, Gal, Adriana...
Sou Carlos Barros e venho me colocar num lugar que acredito ser meu neste séquito de vozes a cantar o que cantou e canta Roberto.

Como diria Maysa, nesta coragem que me toma: Roberto, eu sou mais você e eu! Minhas musas que me abençõem!

Taí, mãe,
as canções que Roberto fez pra Ana e que o seu filho agora canta!

Afinal, para quem mais eu poderia dedicar este espetáculo, mesmo?

 

Total de visualizações de página