Cantigas

segunda-feira, 7 de julho de 2008

As cores de Short


Quando a Banda Mel apareceu, na década de 80, a Bahia e o Brasil puderam conhecer a força e a beleza de uma cantora da mais alta categoria na música brasileira.

Hoje, em tempos de Xangô-João, Márcia Short está nos encarando e mais uma vez encantando com o repertório do Nordeste em disco e show Em Festa no Interior.

A Bahia já está fervendo depois da apresentação recente no Pelô e esperando por mais festa e, com certeza, mais Márcia.

Para aguçar ainda mais a apreciação, segue abaixo um texto que escrevi (como fã que sou) sobre esta artista baiana/universal e luminosa.


Ave Short!



As cores de Short

Certa vez, o músico Tuzé de Abreu me disse que havia dois artistas da música brasileira cujas vozes se abriam em todas as cores do arco-íris: Milton Nascimento e Gal Costa. Certamente, Tuzé se referia à beleza ímpar e complexa dos timbres destes dois cantantes, que lhe fazia perceber sons como estímulos visuais.

Hoje, ao ouvir as diversas gravações dos nossos muitos artistas brasileiros da voz, retomo e compreendo melhor a afirmação de Tuzé. As cores das vozes são fenômenos perceptíveis a ouvidos preparados. Alguns possuem tons mais azulados, suaves e doces. Outros têm a brancura de uma perfeição melódica e de harmonia precisa. Certas vozes refletem e expressam o brilho dourado e reluzente em graves e agudos vivos.

Desta vez, é dos tons avermelhados do som da voz de uma cantora em específico que quero falar. O nome dela é Short. Márcia Short.
Seu trabalho tem uma dimensão artística que começou nas ruas do carnaval elétrico de Salvador, nos anos oitenta e se desdobra até hoje em variados gêneros musicais que passam pelo ijexá suingado de Jota Velloso, pelo funk pop de Lenine e encontram-se com a suavidade de baladas entoadas em timbre forte e de uma personalidade marcante.

A voz desta pessoa traz como marca inconfundível uma ranhura tão sutil quanto bela. Sua tenacidade é acompanhada por uma sensação rascante (como diria Gilberto Gil ao se referir a Maria Bethânia) que curiosamente não nos deixa mergulhados numa tempestade de areia sonora. Ao contrário, quando se pensa que o canto vai ser agressivo, a doçura toma conta (em tons vermelhos) dos ouvintes mais atentos.
As gravações conhecidas de Short nos mostram uma intérprete capaz de convencer tanto no repertório da Axé Music (como nos tempos das bandas Mel e Banda Bah), quanto nos anos posteriores, em que investe em sonoridades menos identificadas com a cena do carnaval, como no disco Iluminada (2004), com canções de Ângela Rô Rô, por exemplo.

A associação da voz de Márcia ao universo afro-brasileiro nos brindou – entre outros momentos – com pérolas do quilate de Iansã (Gilberto Gil / Caetano Veloso), em que se pode perceber uma suavidade em certos momentos da peça, como que Oxum estivesse saudando a Senhora dos Raios, tema da canção. Aliás, rainha na arte de encantar com as cores da voz, Márcia Short eternizou hits como Crença e Fé (Beto Jamaica) de tal forma que outra rainha – da Axé, Daniela Mercury – não pode interpretar esta música sem se remeter aos ensinamentos anteriores de nossa cantora de voz rouca e forte. Antigüidade é posto e temos mesmo que respeitar.

Short traz na voz a propriedade de uma cor marcante, que diferente do arco-íris, não vem com todo o espectro, mas expõe as freqüências mais intensas num registro sonoro difícil de ser esquecido. Mesmo em interpretações de obras como Banho de Cheiro, do repertório de Elba Ramalho, a região vocal comum e a já exaustiva execução da peça não tiram o ineditismo de ouvi-la como se fosse composta especialmente para Short. Sua investida recente pelo universo dos baiões, xotes e xaxados – Em Festa no Interior (2008) – é a prova inconteste da força desta voz na MPB. Márcia consegue imprimir uma característica única em execuções que se referem aos originais sem repetição. Coisa de mestre, no caso, mestra.

Ao falar em cores, nos vem logo a idéia de imagem. A imagem de Short se vincula de imediato á sua voz. Sua cor é vermelha, mas por dentro, certos tons de amarelo invadem sua sonoridade, de tal modo que o brilho dourado matiza a pressão rubra e sanguínea tão evidente em seu registro vocal. Short traz, assim, a confirmação de que voz e cor têm tudo haver, como preconizou Tuzé há alguns anos.

Deste modo, só resta realmente apreciar as cores, como num final de tarde em dia de sol, em que vermelho e amarelo se encontram para no final desaguar no escuro da noite, que continua sendo a cor do mistério. E como os mistérios tendem a continuar a pintar por aí, vamos ouvir a voz – ecos de Oyá – expressionista e firme de Márcia Short; cor da beleza da força da beleza desta nossa nova e eterna baiana.

Carlos Barros
02 de abril de 2008.



Para gostar (ainda mais) de Márcia Short!!!!


Axé!!!


20 de junho de 2008.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótimo texto. Cantora de timbre único. Bastante versátil na escolha de seu repertório. Performance vigorosa. Também sou muito admirador de Marcia Short e aí que bom seria que a nova geração da música baiana tivesse cantoras assim como referência.

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