
Revendo junto à produtora Dil Guimarães algumas imagens de shows que realizei, percebi que a feitura de uma obra é um artesanato da mente, do corpo e da alma.
Realizei dois shows que marcaram em muito o meu caminho como artista profissional da música.
Em 2006, homenageando os sessenta anos de Maria Bethânia, fui convidado a cantar em Santo Amaro da Purificação no belo Teatro Dona Canô e apresentei o recital
Atakã - Amiga dos Ventos.
Em 2008, como parte integrante da divulgação do espetáculo dança O Brasileiro Gil, no Teatro Castro Alves, fiz o show Gilberto Gil - A Dança de Shiva.
Dois momentos ímpares para mim e para a estreita relação que meu trabalho tem com estes dois músicos (não posso esquecer dos outros dois baianos maiores).
Bethânia e Gil. Certa vez, eles disseram sobre a confluência de suas posturas no palco. Chegaram a brincar com a tonalidade avermelhada de suas presenças cênicas, em contraste complementar ao certo ar cool de Caetano e Gal.
E eu tive a honra de homenageá-los em momentos distintos.
Em Atakã, a proposta era entrar no universo de Bethânia, pedindo licença aos ícones que ela gravou. De As Ayabás (Caetano e Gil), passando por Rosa dos Ventos (Chico Buarque), o show transitou entre a beleza das melodias compostas para a baiana e a força das letras também inscritas no mundo desta artista. E o mundo de Bethânia contém, entre outras coisas, amor, tenacidade, natureza, sonhos e afirmação.
Na noite de 16 de junho de 2006 (com a presença de parte do clã Velloso) Carlos Barros, Harlei Eduardo, André Buziga e José Maia - banda que fez soar as notas de Bethânia por Carlos - puderam transcorrer. E transcorremos como um rio que assenta-se sobre o terreno acidentado e dotado de magnitude que é o perfil e o repertório de Bethânia.
Batatinha esteve presente no seu Bolero de uma bailarina que precisa do palco para amar. Dona Ivone Lara pôde ser evocada no Sonho Meu, cuja memória ainda é tão viva na gravação dasbaianas de Santo Amaro e da Barra Avenida - Bethânia e Gal no registro mais que definitivo. Caetano brilhou em Maria Bethânia, Nossos Momentos, Drama e Reconvexo. Chico veio em Terezinha e a já citada Rosa dos Ventos, e aí, cantar este carioca já era suficiente para o artista no palco não explodir em uma energia que só Bethânia suporta plenamente.
Capiba, ao compôr o tema Maria Betânia, talvez nem imaginasse que iria ser o responsável por nomear tamanha figura artística a nascer.
A canção de Capiba encerrou a noite, com ares de que ali não terminava nem a artista Bethânia, nem o desejo de Carlos Barros de continuar o show para sempre, na sua ânsia de - antropofagicatropicalisticamente - continuar se alimentando do favo de mel desta rainha-abelha-mor da MPB.
O show Atakã - Amiga dos Ventos veio, de fato, como este pano que dá nome ao show: abraçou Bethânia, envolveu-a como que a proteger, mas verdadeiramente, buscou despí-la numa medida em, que sua nudez fosse tal e qual aquelas da renascença, cuja pele parece estar envolta numa névoa esbranquiçada que mais aguça do que esconde o que há de essencial.
O atakã branco que deu nome ao show buscou enrolar os seios da obra de Bethânia querendo estar ali, perto do coração de sua trajetória, na temperatura e na audição ideal da pulsação de seu sangue, que continua tão vital para a música deste país.
O pano foi amarrado para que a entidade pudesse dançar na minha voz, nos meus gestos, nos meus pés levemente acima do palco, como a parecer-se com ela, a Bethânia que foi centro da homenagem. Não sei se me deixei tomar por inteiro.
Somente sei que foi bom ter sido veste para tamanha energia e ainda asim poder ter aparecido lá no meio daquela bruma iluminada que é a trajetória e a simples existência de Maria.
Por aqui, chego ao fim deste momento.
Para falar de Gil e da sua/minha Dança de Shiva, somente no próximo capítulo destas confecções de Barros.
Até a próxima.
25 de julho de 2008.