Cantigas

sábado, 16 de agosto de 2008

Dorival Caymmi


Numa semana em que a nova canção do Gil sobre a morte bateu forte em muitos amigos (depois de ter batido em mim), não é que Caymmi sai deste palco para outro?


Não poderia deixar de escrever sobre ele, embora nem seja habilitado a falar deste ente da música popular que nos deixou neste plano, para nos engrandecer em outro.


Caymmi é o trabalho máximo da simplicidade poética, melódica, harmônica, de uma forma tão intensa que, como diz Chico Buarque, não pode ser imitado. Ninguém conseguiria chegar perto de sua capacidade de dizer beleza sem a necessidade de corolários.


Anti-barroco, anti-inteligismos, anti-sofismas. Caymmi, este baiano com nome sonoro e nobre, lega o belo em estágio primitivo. De tanto se polir o diamante, ele chega à forma mais perfeita e ao mesmo tempo mais simples: a esfera.

Caymmi trouxe a esfera para a nossa música.


Sua Bahia d'antes, de seus mares observados e navegados em sonhos e imagens de Iemanjá foi inventada por sua necessidade de estar num lugar idílico. E quem nunca quis estar nesta Bahia? Quem nunca esteve nela, de fato, ao interpelar uma baiana de acarajé, ao observar a beleza dos músculos dos pescadores, dos fios de cabelos crespos das mestiças meninas de praia no litoral desta cidade da Bahia?


E Menininha? Quantos puderam ouvir/saber de sua existência muito antes que Oxum encantasse de perto aqueles que chegaram à frente da Mãe do Gantois? E quantos foram encantados pelas vozes de Gal e Bethânia traduzindo em modernidade o canto do velho baiano?


Dorival Caymmi foi para um novo mundo e, nesta manhã, quando eu soube, me deu uma sensação de que algo não se colocava no lugar. Foi na noite passada, no sono, que ele saiu sem precisar pensar no chapéu a tirar da cabeça. De camisa listrada (branco e vermelho para encontrar Xangô), o mestre da controversa Bahia saiu e se encontrou com veredas por onde ele precisava caminhar.


Depois de trabalhar toda semana, meu sábado começou com a notícia de sua ida. E ele saiu, definitivamente de Copacabana, a princesa que eu elegi para ser morada de meu próprio personagem, príncipe baiano que um dia há de estar lá.
Será que também sairei de Copacabana para seguir na vereda por onde foi Caymmi?

Ele atravessou e fez no dia do Senhor do Sol, o também velho Omolu.
Caymmi é um tempo que, hoje, se encontra com outro Tempo, de outra morada, passando por outras cancelas.
Um dia, mesmo que sem a mesma paz, chegaremos lá.


Não fazes favor nenhum em gostar de alguém!

E para gostar e sentir saudades de Caymmi, nem precisa favor.

É favor querer saber, ouvir, sentir a brisa dos ventos marítimos de Janaína no pé do ouvido, ainda que somente matutando sobre o velho baiano.


O maior de nós, baianos, se foi.

João, Gal, Bethânia, Caetano, Gil, Daniela, Brown, Marilda, Carlos, Marlon ficaram órfãos.

Nosso pai está em outra.

O pai se foi, como diria Gilberto, sem deixar de ser!


Ouçamos, então, lá longe, os clarins de uma banda militar que, ladeada por Gabriela e Dora de braços abertos e cabelos ao vento, deve estar honrando sua chegada , num porto astral de um certo lado de lá aos pés de Tupã.




2 comentários:

Anônimo disse...

De inteira verdade: que honra ser citado na beleza deste texto como baiano e mais que tudo, caymmiano!Vc foi o melhor tradutor da passagem deste nosso mestre. Bravíssimo - é por isso que dizem que só da tristeza nascem raridades! Em Caymmi, a Bahia sempre será um sonho feliz de cidade. E eu também morrarei no Rio de Janeiro com Salvador arraigado em mim.

Unknown disse...

Belísssima omenagem ao Caymmi! Parabéns!

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