Cantigas

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O Nome da Voz


O nome é o que menos importa na identidade manifesta da voz. A audição re-nomeia e nomina melhor que o próprio substantivo. Além do que, ouvi-la é mais intenso que pronunciá-la.

O nome Vércia Gonçalvez traz a sonoridade da musa romana adornada pelo lamento negro de seus cabelos e corpo e alma.
Conheci a cantora Vércia há pouco mais de dez anos ainda verdinha, verdinha, tal como os ramos-pés da esperança pousada na folha. Ela cantava, entre versos de Salmos, a canção Força Estranha, de Caetano.
Lá, neste acontecimento, sua bela e inconfundível diferença despontava em seus graves mais que definidos.
A música de Vércia Gonçalvez transita entre a vontade de Bahia onipresente aqui na Terra e a vocação certeira do que é maior e mais lá no Céu: sua voz tem a capacidade de fazer ultrapassar o aqui-agora e alçar voos altos...

Sim, seu canto precisa de mais que o popular cancioneiro pode oferecer, pois necessita daquilo que nossa canção tem de mais profundo e denso.
A música de Vércia pode (e deve) ser pop, sem contudo, nunca poder (e não dever) ficar na superfície.
Vércia vem da via rascante ( a expressão me vem de Gilberto Gil) de Bethânia. E a musa de seu canto é Gal.
A menina que hoje retorna à Bahia cresceu e se fez crescer na atenção aos agudos cristalinos da  doce baiana. Em si, o corpo fala na palavra cantada a partir das sensações dramáticas e pueris a um tempo só.

Bethânia/Mart'nália?
Oyá/Ibeji?

Nem sei...

O que ouço, vejo e sinto é sua música aparecer como produto de um Brasil roseano, em que a aparente crueza e irredutível força desaguam numa mulher-homem doce e feminina, parafraseando espontaneamente o íntimo de Diadorim.
A luta de Vércia pelo seu espaço no campo da música popular parece mimetizar a batalha literária da fêmea transmutada em macho de Guimarães .

Vércia Gonçalvez é a menina-mulher com timbre forte e alma suave. Ela brinca, erra, acerta, percorre a melodia com a certeza do que diz e do que quer dizer.

Ela toma a canção na voz e aí se espraia, sem dormir: acordada e - olhos abertos/fechados - nos faz sentir fogo em labaredas que se abrandam no vento ancestral de sua musa, que com ela canta junto, na delicadeza de sua ação.
Ah! Somente para lembrar: seu nome é composto, sim!


A menina dança e nós olhamos para o alto, bem lá, onde ela certamente sempre estará vestialmente derramando sua constante força da alegria.



Um comentário:

“Operária das Ruínas” disse...

Ela é a minha "Zabelê", nos termos de Torquato Neto. Adorei o texto, Carlos....

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