Cantigas

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Cavaleiro de Jorge



Um disco é um produto.
É o resultado de horas de gravação e de tempos de lapidação pessoal. Digo no momento em que estou finalizando as gravações do meu. Nele, uma das canções é Abiã, de Jota Velloso e Ulisses Castro, e enquanto ele não chega à praça, vamos falar de uma obra já disposta nas bancas da cultura e cujo diálogo é intenso com o cantor Carlos Barros!
O compositor Jota Velloso é um artista cuja fonte criativa se encontra aberta desde gravações memoráveis de muitas cantoras; as mulheres a entoarem o canto deste santamarense.

Agora, Jota traz em seu próprio canto as jóias de seu cancioneiro.
"Camaleão vaidoso no meio das foia parada
não podia ser visto nem quando o vento soprava,
pois carregava a sina da vida camuflada.
beleza que não é vista não serve, não tem valor pra nada!"

Os versos de Camaleão, que está no disco de Jota são representativos do que se ouve neste trabalho.
A beleza das peças e dos arranjos aparece a partir das gravações do compositor, que desfia, em Jota Velloso e os Cavaleiros de Jorge, um conjunto que remonta o tradicional e o contemporâneo em termos de sonoridades no Brasil.
Desde Kirimurê (antes registrada por Bethânia), com evocações vocais indígenas até Eu sou preto (gravada por Daniela Mercury), temos uma musicalidade que aproxima os beats da influência de Aldo Brizzi às temáticas baianas e brasileiras do interior.
A canção Foguete - de rara beleza poética - fica densa e leve ao mesmo tempo, com uma sonoridade de festa do interior regada a doces e bebidas, como que nos quintais juninos. Jota reúne um naipe de músicos de primeira linha pra fazer soar em nossos ouvidos o espoucar de alegria da letra da música sem exageros e na medida certa. O São João é hoje e vem de antes, sem perder sua essência introspectiva.

As participações dos Jorges: Mautner e Vercilo enriquecem o trabalho, com a inventividade do violino (quase rabeca) do primeiro e a voz maviosa e precisa do segundo. Jota e Vercilo falando de uma musa enaltecem a musa maior - música, como se Rio e Bahia se encontrassem desde os "esses" que insurgem até as malemolências vocais que diferem/aproximam.

Verde saudade que me afogou!
E até o fado português dialoga com o forró de um nordeste de cima, borda do recôncavo!

Com Mautner, o caráter sagrado da oração a São Jorge se evidencia num clima quase medieval que toma o cântico, na música e no texto recitado pelo poeta.
Nordeste redivivo com a história do Brasil.

Lá vem Jorge salvar sua gente!

Em Ipod e Medo, o pop toma conta do disco, mostrando uma verve mais urbana do trabalho de Jota; a tecnologia acessível/intrigante da maquininha de ouvir música e os medos de hoje, que nos limitam e impulsionam...

Jota Velloso e Os Cavaleiros de Jorge é pra se ouvir pensando numa Bahia nova e velha; um Bahia de Caymmi e de João Gilberto que dialoga com a Bahia das noites no Rio Vermelho, na Casa da Mãe, no Tom do Sabor, aos sabores de novos nomes que são tão melhores quanto gratos às raízes que nos são chão.

Assim,
Salve Jorge!

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