Cantigas

sábado, 28 de março de 2009

Cidade que canta!


Cidade que canta!

Cidade de Áries!

Salvador foi desembarcada nas mentes dos portugueses em 29 de março de 1549 como uma nau indígena feita de madeira e muito sangue!

Esta cidade que canta, como diz a letra da canção (e de tantas outras modinhas, lundus, sambas, reggaes, ijexás, valsas...), é a mesma cidade de Sol em Áries e Lua em qualquer outra constelação de água que acolhe, recolhe e descobre (de tirar o cobertor) seus filhos mais ou menos ilustres, conhecidos ou anônimos.


Amo Salvador o tanto quanto a odeio.

Odeio seu trânsito infernal e sub-desenvolvido!

Odeio sua vocação manifesta para a seriedade que é deixada para depois e postergada como valor menor - isso é coisa para gente de São Paulo, não é?

Odeio o Feudalismo tardio de suas posses tanto em bens materiais, imateriais, humanos e sobremaneira desumanizadores.

Odeio a Salvador dos canais de TV ao meio-dia, com sua permissividade absurdamente construída sob o argumento de que "o povo gosta de ver a realidade"!

Odeio!

Odeio!

Odeio!

E sobretudo, nestes 460 anos de vida, acho que nem vocação para ser a ariana torta tal e qual a da letra de Márcio Mello, esta cidade de fato tem.

Salvador nasceu para quê, mesmo?


Minha cidade veio para assumir o posto de "Rainha do Atlântico Austral" parafraseando o santamarense Caetano Veloso, mas poucas vezes conseguiu passar da Roma Negra em estado de falência com seus habitantes mais nobres - seu povo negro/mestiço que constrói riquezas que se tornam as ruínas de amanhã para os banqueiros da miséria eternizada na falta e na míngua à mostra nas portas das igrejas de ontem, de ouro e de sotaque lusitano, católicos de sempre.


Odeio a Salvador que se coloca como guardiã de uma ancestralidade que ela mesma vilipendia diariamente ao negar educação verdadeiramente de qualidade para seus habitantes mirins, que de futuro só têm mesmo a recorrer aos espíritos que aqui se fincaram, sendo protetores e guardas de todos que habitamos esta urbe grandiosamente mal tratada; da orla marítima que entrega ao mar uma paisagem nada agradável para os requintes das pratas e ouros a que está acostumada a verdadeira Rainha Iemanjá.

Mas do que tanto odeio de fato nesta minha cidade, sai também - como a luz da escuridão da poesia de Gil - a flor de lótus que me mantém baiano, soteropolitano e orgulhoso das duas condições: Oxum nos pariu, Iemanjá nos criou, Oxóssi nos deu de comer, Iansã nos levou à escola e Oxalá (ao lado de Xangô) nos deu o código moral, que em muitos momentos é cobrado pela sabedoria anciã e valiosíssima de Nanã e Omolu. Assistindo e rendendo loas, Nossa Senhora e Cristo Jesus ficam a nos cobrir com mantos azuis de calma e benevolência.

Logunedé, com sua jovialidade e Oxumaré com sua astúcia estão sepre a colorir os céus para que possamos enxergar a beleza do ar desta localidade estacionada na boca de uma baía que é das mais lindas no planeta.

Odeio muitas Salvador e a minha iminente ida para longínquas praças somente fará sentido por saber que daqui sou. O índio caboclo guerreiro vai encontrar com Araribóia, Raio de Sol no mar da Guanabara!


Afinal, como diz Aldir Blanc: regressar é reunir dois lados da dor do dia de partir!

Temos saudade até das feridas que cicatrizaram na pele, nem que seja para dizer que fomos vitoriosos sobre a dor, não é mesmo?

Odeio a aniversariante e a amo por ser o chão de onde brotou a comida que alimentou o corpo da minha avó, a me dar a mãe que os ventos me deram: amo Salvador por ser a mãe da mãe deste baiano.

Odeio e amo ao mesmo tempo ter que louvar todos os anos esta cidade; minha racista, homófoba, e agora cada vez mais separatista cidade do Salvador da Baía de Todos os Santos.


Áries é o signo solar de Salvador e está na Casa IX do meu mapa natal.

A Casa IX é a casa da religiosidade e das filosofias superiores. Estou, então, sempre em pé de guerra com tudo que é deveras superior...

Áries é o oposto cmplementar de Libra - o meu Sol.
Estou em oposição complementar a esta cidade onde nasci. Amo o fato de poder odiar tudo que me causa escárnio em estar aqui, pois amo poder amar a cidade sabendo de suas agruras, de suas vulcânicas crateras, a lançar chamas que acabam por renovar todo amor e ódio que eu sinto por ela.

Salvador faz mais um ano solar de existência. Eu celebro isto (mesmo que pareça um bombardeio sem fim), pois sou como Álvaro de Campos: quando vim a ter esperança, já não sabia ter esperanças... no tempo em que festejavam os meus anos eu era feliz e ninguém estava morto...

E a minha esperança para este dia é de que eu cotinue podendo amá-la e odiá-la como filho que sou, que por vezes ama questiona a família por ter te colocado em lugar tão hostil quanto o mundo dos sentidos de Platão.


Platão/ Plutão. Aliteração muito significativa!
Por fim, amo Salvador e quero que sua existênca possa nos ensinar o quanto a beleza está plutonicamente associada à sua miséria, pois, certamente, se Salvador é ariana de Sol e aquática de Lua, no seu mapa natal, o ascendente, com toda certeza só pode ser Escorpião!


Feliz 29 de março!!!!!!!!!

quarta-feira, 11 de março de 2009

Sob medida para uma filha da Bahia


Em finais dos anos setenta, a Bahia ganhou uma filha ilustre: chegada no Brasil do longínquo e belo Pará, aportou nas ondas sonoras a falar da Bahia uma mulher linda, grande e de voz forte, rodando no palco e nos ventos da vida.

O nome Fafá vinha acompanhado de uma certa adverbiação de lugar, para sabermos que era de Belém.

Este nome de cidade, que é também da região onde viveu Cristo da Galiléia,além de render para nós a filosofia mais popular no mundo, nos deu a voz e a presença (muito física) de Fafá de Belém.

Esta cantora traz no seu sangue (português-indígena) e na sua verve artística uma vontade manifesta de ser e estar. Dois verbos importantes por que vitais, como seu canto.

Fafá não canta somente. Faz-nos entrar em seu mundo onde a quentura das letras se irmana à doçura/agrura/mistura das melodias. Seja no Tamba Tajá que remonta à origem de infância ou na interpretação de um Buarque Sob Medida (ninguém interpreta a personagem da canção melhor que Fafá na performance musical deste hino brasileiro), a cantora brasileiríssima mostra que a nossa história de música popular tem muitas páginas de surpresas.

Quem há de negar que o canto de Fafá é maior do que suporta a sua garganta? Por que fisicamente parece que seu corpo guarda uma essência maior do cantar/interpretar que na hora da canção parece querer saltar do ambiente meramente musical para tomar a cantora e ouvintes pelo exagero que é, de fato, uma compreensão/constatação de que a vida nos é por demais exagerada em suas manifestações de prazer, amor, dor e fissuras?

Fafá traz tudo isso em doses não muito controladas.

Seus agudos entre afinadíssimos e quase gritados - para chegar bem aos nossos ouvidos - são expressões de um canto brasileiro que saiu da floresta e talvez tenha passeado nas caravelas a levar pau-brasil e especiarias para além-mar, de onde veio, também a tradição de fados tão bem personificados pela cantora de corpo farto e belo, de tez morena do Brasil com boca e face européia.

Fafá subverte a lusitanidade de sua pessoa com a indigenidade africanizada de ter sido alavancada com a canção Filho da Bahia do baiano Walter Queiroz.

É! Fafá redescobre o Brasil – e tinha mesmo que começar pela Bahia!

O repertório por vezes mutante (que foi também ao cancioneiro de compositores chamados de popularescos) precisava chegar a recônditos universos que outras artistas não tiveram coragem nem competência para entrar.
Ninguém pode fazer nuvens de lágrimas sertanejas cair sobre as cabeças boêmias de fins de noite e de amores perdidos na bruma da existência com elegância/extremismo/vigor!

Ninguém? Fafá pode. Fafá fez. Isso é Fafá.

Estou abreviando o que nem pode ser abreviado.
É Fafá de Belém!
Ela mesma disse que quando assinou Fafá, os fãs reclamaram.
Pois é, moça faceira: você não pode assinar tão somente Fafá. Pois, em sendo isso tudo que é como Fafá, o epíteto não pode deixar de estar!
Seja Estrela!
Seja Belém!

Fafá é o brilho de um Brasil de povo, de caminhão, de porto, de mares fora e dentro de nós. Navega-se com sentimentos fortes, rubros, duplos, calorosos, arrancados de dentro de nossa alma, nos levando a ver o que não gostamos em nosso ser - nosso e tão belamente cafona, das Cafonices da canção de Eduardo Alves, que estou gravando no meu disco.

Fafá é chique, elegante e refinada em sendo uma de nossas cantoras mais populares – no sentido mais visceral desta palavra.

Fafá é o nosso país de uma forma muito intensa, e eu amo o nosso país de forma intensa por que - não estando exatamente neles - eu me sinto conectado com universos particulares trazidos pelo canto e pela existência desta cantora tão importante para este lócus verde, amarelo e vermelho.

Vermelho da canção de Fafá, da bandeira de Portugal e da cor mais visível ao olharmos para esta mulher.

Fafá, então seja o vermelho da bandeira do Brasil.

Você sabe melhor que ninguém!

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